sábado, 20 de agosto de 2011

APRESENTAÇÃO DO MEU LIVRO DURANTE O LANÇAMENTO - TEXTO DE JÃN MACÊDO


ÀS MARGENS DE NOSSOS PRECIPÍCIOS INTERIORES


Boa noite!
Inicio minha apresentação da obra CÂNTICO VORAZ DO PRECIPÍCIOagradecendo ao seu autor, o poeta Bruno Rafael de Albuquerque Gaudêncio, pelo convite e possibilidade de tecer nesta noite algumas considerações sobre seu primeiro livro de contos. Como vimos na apresentação que há pouco nos foi feita, Bruno ocupa diversos lugares sociais em seu dia-a-dia: historiador, professor, jornalista, estudante, contista...além de outros comofilho, irmão, namorado, amigo...
Mas, talvez, o ser-poeta constitua a marca presente na maior parte das páginas que narram sua história de vida; tanto naquelas que, logo após escritas, acabam evanescendo rapidamente, sendo espalhadas pelo vento ou distribuídas entre seus leitores cotidianos; quanto naquelas que, dada a maior densidade,permanecem gravitando ao seu redor,até o momento em que são enxertadas em sua pele e levadas de volta ao seu interior para serem reescritas, reelaboradas e lançadas de volta à atmosfera com uma nova forma e um novo conteúdo.
A força centrípeta que faz os outros lugares sociais serem atraídos até o seu centro poético faz com que, até mesmo no momento de vestir a roupa de contista, Bruno não abdique das vestes de menestrel, que parecem estar aglutinada a suapele. Poesia com respingos de prosa, prosa revestida de poesia: Essa é uma das características mais marcantes de sua obra, que se faz presente de modo especial em CÂNTICO VORAZ DO PRECIPÍCIO.
            Num sobrevoo meio mecânico, meio superficial, pela epidermeda obra, percebemos que o livro reúne oito contos, seis dispostos na primeira parte, intitulada INSPIRAÇÕES À BEIRA DO ABISMO, e mais dois reunidos na segunda, intitulada NAS SOMBRAS DA MORTE, na qual descobrimos encontrar-se, inclusive, o conto que dá título ao livro, ao mesmo tempo que o encerra. Porém, felizmente, a literatura e muito menos como a produz Bruno Gaudêncio não se limita a voos mecânicos; não se limita a epidermes, a cascas, a crostas e superfícies, pois é feita de mergulhos, bem como do desvendamento e invenção de significados.
Se, como disse certa vez o imortal recém-falecido Ernesto Sábato, ele mesmo um oxímoro: a literatura é uma forma de se explorar a condição humana;temos em CÂNTICO VORAZ DO PRECIPÍCIO um bom exemplo dessa exploração, em doses pequenas, de ingestão rápida, mas capazes de nos levar sem a intermediação de qualquer tipo de alucinógeno – a ampliar, mesmo que por alguns momentos fugazes, a nossa percepção.
            A morte é a linha tênue que serve como fio condutor para as narrativas que compõe a obra, da mesma forma que se constitui como o denominador comum e, talvez, o único elemento verdadeiramente democrático entre os seres humanos. Quem, entre os presentes, não enfrenta no momento, nunca enfrentou ou nunca enfrentará os dilemas, as dúvidas e as inseguranças geradas pela consciência que temos da nossa própria finitude e da perenidade de tudo o que nossos sentidos podem alcançar? Quem, entre nós, está isento de, em algum instante de sua vida, deslocar-se até a margem de um dos seus infinitos abismos interiores, para ouvir os cantos da sua própria morte ou a revelação da morte de uma pessoa amada, de um parente, de um amigo...  ou, talvez, a morte do próprio amor ou sentimento de amizade que se sentia por determinada pessoa? Quem de nós está isento disso? Quem de nós?
            Em CÂNTICO VORAZ DO PRECIPÍCIO esses dilemas são configurados narrativamente e vivenciados por personagens que se encontram tanto em condição de pobreza e/ou maior vulnerabilidade social, a exemplo da família de camponeses e favelados do conto AQUELA ESTRANHA NOITE, do LAVADOR DE CADÁVERES do conto homônimo; quanto em condições ditas mais privilegiadas socialmente, como o historiador do conto CASA DAS HORAS e dos altos funcionários de um banco no conto CORPO DA SOLIDÃO.
            Curiosamente, os contos O LAVADOR DE CADÁVERES e A ÚLTIMA LÁGRIMA DA CARPIDEIRA tratam de considerações e descobertas sobre a morte realizadas por personagens que, em tese, não poderiam mais ser surpreendidos pela morte, por terem-na como ganha pão ou, como diria João Cabral de Melo Neto, fazerem da morte ofício ou bazar.
            Em cada um de seus cânticos, o autornos revela... ou melhor, nós dá a possibilidade de refletir sobre os dilemas e aporias da finitude; seja através de personagens que expressam narrativas bem enredadas, por meio das quais parecem tentar estabelecer algum domínio sobre a finitude e a morte, ao classificá-las, aprisioná-las no campo do discursoe torná-las visíveis e dizíveis (perspectiva mais presentes nos contos da primeira parte da obra); seja, inversamente, através de palavras, períodos e frases (principalmente nos contos  QUANDO EU ESTAVA A CAVALO SOBRE MIM MESMO e CÂNTICO VORAZ DO PRECIPICIO, presentes da segunda parte) que dão a impressão de estarem sendo agrupadas de modo caótico com o intuito de, justamente, desmanchar o que foi dito até o momento e dilacerar qualquer falsa pretensão de controle sobre afinitude.
            Bruno Gaudêncio, que em sua condição de poeta-contista-em-início-de-carreira; em sua condição de contista que, na esteira de Alfredo Mesquita, aspira manejar o estilo, consegue, porém, tratar de temas tão insólitos de uma maneira suave e saturada de poesia. É como se o autor nos estendesse suas mãos, pedisse-nos para segui-lo, linha após linha, até a beira de um precipício e, ao chegarmos lá, nos convidasse a fechar os olhos por alguns instantes; convidasse-nos a nos desconectar temporariamente da “realidade” visível, para, com isso, nos tornarmos capazes de ouvir os cânticos e gritos expressos pela natureza ao nosso redor, estendida ao infinito; e pela natureza presente em nosso próprio interior, abismo sem começo e sem fim.
É como se as frases “Escurecia e a lua clara dispensava as lamparinas e candelabros da casa.”, que abre a obra, e “Sinto-me um corvo. Minha alma é uma extraordinária história de Poe.”, que a encerra, servissem como mantras, lançados pelo autor e sua mão alquímica, para nos lembrar dos absurdos da nossa condição humana.
Ali, escutando o CÂNTICO VORAZ DO PRECIPICIO, recordamos que à nossa sombra, à nossa espreita, e fazendo movimentos elípticos ao nosso redor, encontram-se três ninfas invisíveis, que nos acompanham em todos os momentos das nossas vidas e servem de inspiração ou contra-inspiração para boa parte de nossas ações. Quando, ao ouvir os assobios da primeira, indagamos seu nome, ela não demora a nos responder: SOLIDÃO. Ao escutarmos o canto doce e envolvente da segunda, temos a impressão de que pode se tratar de outra categoria de ninfa, das que podem aplacar nossas dores; ao indagarmos sua alcunha, porém, ela logo objeta:FINITUDE. Esperamos que a terceira nos tranquilize, nos acalme as inquietações e, embalados pela maciez de sua voz,questionamos também seu nome. Ao que ela nos responde: MORTE. Esperamos por uma quarta ninfa, onde estará a ESPERANÇA? Mas só o silêncio e os silvos do vento nos chegam agora aos ouvidos.
MORTE, FINITUDE, SOLIDÃO. Entre tantas outras coisas, é disso (também) que trata o CÂNTICO VORAZ DO PRECIPICIO. Cântico breve, mas que nos mostra que estamos, a todo o momento, não somente acompanhados pelas nossas próprias circunstâncias, mas sendo acompanhados por elas enquanto fitamos nossa finitude, do topo de qualquer um dos nossos precipícios interiores.
Obrigado!


Janailson Macêdo Luiz

Auditório do Museu de Artes Assis Chateaubriand.
Campina Grande-PB, 12 de agosto de 2011.

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