De acordo com Edgar Allan Poe um bom conto é a revelação de um acontecimento extraordinário e seu ponto principal é o desfecho, o final, que precisa ser surpreendente. No caso dos contos que constituem a coletânea “Do avesso” (Com-Arte, 2010), do escritor é psicólogo paulistano Roberto Tardivo, o extraordinário e o surpreendente se fazem presentes em toda a urdidura das ficções, a começar pelos próprios títulos de algumas das narrativas, a exemplo de A Mãe do Filho e os contos complementares Graça e Desgraça.
A palavra “reviravolta” talvez seja a principal nomenclatura existente na gramática ficcional destes 19 narrativas sintéticas, nos quais os personagens invertem-se em seus papéis de protagonistas, em ações cheias de indeterminações. É o caso do conto Desembarque, no qual o leitor fica a se perguntar quem seria o personagem Marcos Nobre? Um impostor, oportunista? O verdadeiro em uma infinita crise de identidade? Camadas de sentidos vão sendo colocados pelo autor, em frases lapidares, - ações voltadas pelo lado interno dos personagens, o que causa um encantador revesso das coisas...
No primeiro conto da coletânea, intitulado Queda Livre, o fator surpresa (demarcado por reviravoltas constantes), pode ser considerado como exemplo mais evidente do brilhantismo do contista, no qual o personagem ao narrar sua trajetória de “ascensões e quedas”, são expostos de maneira ímpar, num desfecho que nos deixa verdadeiramente encantados: “E fui dar nesse breu em que não se sabe direito quem é quem. Em que não há chão. Onde as palavras voam, à procura de si mesmas, para aterrar em areia movediça. Eu crio pessoas” (p.13). No parágrafo seguinte Renato Tardivo arremata: “Enfim escritor, eu sigo a forjar vida – a minha e a dos outros” (idem).
Em sua tarefa de “forjador de vidas” e de “mundos interiores”, cheios de dúvidas e mistérios, há um “poder de condensação” que muito bem formulado, faz de Renato Tardivo um estilista na arte do conto, mesmo sendo Do Avesso um livro uma estreia. Não é toa que João Anzanello Carrascoza, também exímio contista, chega a afirmar na apresentação da obra (contida na orelha do livro) que o autor se destaca pelo timbre, pela colocação, pelo vigor.
Além do brilhantismo dos contos, em que “enigmas” e “fantasias” se complementam em unidades de efeitos complexos, o leitor não deixar de perceber também as belas gravuras de Adriana Bento (ilustradora), que estão envoltas das ficções, e que expressam muito bem o lado surpreendente dos contos, do início ao fim
Eis um grande contista que a literatura brasileira ganha neste início de século
Resenha publicada no Jornal Contraponto, de João Pessoa, 22 a 29 de Dezembro de 2011.
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