sexta-feira, 22 de abril de 2011

OS RISCOS DE UMA ANTOLOGIA E A EXCLUSÃO DO “INTERIOR”

Por Bruno Gaudêncio

Nas últimas semanas a revista Zunái (um dos melhores sites literários do país), editada pelo poeta paulista Claudio Daniel, publicou uma antologia da poesia paraibana contemporânea, organizada pelo poeta, crítico literário e professor de literatura da UFPB Amador Ribeiro Neto.

11 poetas foram escolhidos pelo antologista, nomes realmente importantes no cenário da produção literária paraibana dos últimos anos, contudo, a justificativa constituída no prefácio da antologia por Amador, quanto à omissão de poetas do interior paraibano me causou um verdadeiro espanto, vindo de um escritor de tamanha qualidade estética e referenciais acadêmicos já consolidados.

Não me lembro de conhecer nenhuma antologia que tenha sido considerada devidamente justa em seus propósitos. Sempre as omissões e os acréscimos de nomes e textos são discutidos e discutíveis. Todavia a formulação de critérios metodológicos firmes que diminuam o lado pessoal das escolhas podem “maquiar” certas tendências consideradas “injustas”.

No caso da antologia em questão alguns pontos que levantarei a seguir podem melhor compreender as escolhas do poeta paulista radicado na Paraíba dentro do seu propósito de organizar o material que foi publicado na revista Zunái.

A primeira, diz respeito à questão da concisão da antologia. Provavelmente o formato exigido pelo editor da Revista, estabeleceu a escolha de poucos poetas, algo que o Amador Ribeiro Neto fez, escolhendo 11 nomes e estipulando uma quantidade mínima de poemas em questão.

A segunda questão se refere à concepção estética do próprio autor-antologista, formulada a partir de parâmetros da poesia experimental e/ou pós-moderna, com recursos poéticos de influência concreta, e sua indiferença a uma tipologia poética considerada por ele como tradicional (muito praticada ainda em todos os cantos e recantos do estado e do Brasil inteiro).

Estas duas questões influenciaram bastante, na minha concepção, a formulação do conteúdo e da escolha dos nomes para a antologia. Muito bem.

Todavia, ao escolher apenas 11 poetas para a antologia, seus critérios caíram apenas em valores meramente subjetivos, e o mais grave, seus discernimentos não implicaram numa pesquisa mais densa e profunda sobre a produção poética paraibana contemporânea (algo que acredito seja primordial para qualquer antologista), o que possibilitaria se fosse feita, um amplo quadro da estética poética no estado. Seus critérios foram embasados, em minha opinião, apenas dentro de um mapa de referências poéticos próximas ao autor. Seus amigos, seus ex-alunos, claro com concepções estéticas próximas e dentro de um espaço adjacente ao dele (João Pessoa).

A afirmação de que a poética paraibana contemporânea é pensada simplesmente como “uma poesia litorânea, centrada, principalmente, na capital, João Pessoa”, demonstra o verdadeiro desconhecimento das práticas poéticas edificadas no estado nos últimos anos e mais ainda demonstra que o antologista possui uma ausência completa do conhecimento da tradição da poesia nas cidades do interior paraibano (Campina Grande, Patos, Monteiro, Sapé, Cajazeiras, entre outros municípios).

Quando afirma “Não que no interior não haja poesia: há e muita, mas ou é poesia popular (do tipo cordel, que não nos interessa nesta antologia) ou perde-se em formas e fôrmas anacrônicas”, Amador deixa evidente sua posição quanto ao exercício da linguagem poética, afirmando categoricamente sua concepção de poesia, que estão longe de valorizar elementos de uma tradição popular, e que chega a inferiorizar aquilo que ele chama de poesia anacrônica, ou seja, fora do circuito de influencias da poesia concreta, visual e digital, da qual acredita ser a poesia mais expressiva do mundo. Desta forma, isso justifica a sua afirmação quando diz que ainda não conseguiu distinguir um poeta interiorano paraibano que ombreasse os que foram selecionados.

Seu desconhecimento sobre a realidade poética paraibana fica ainda mais evidente como afirma: “João Pessoa vive, respira, transpira, agita, move-se ao motor da poesia. São inúmeros os eventos, que mobilizam um bom público, ao redor da produção paraibana contemporânea”. Realmente João Pessoa nos últimos dez anos aumentou consideravelmente seus eventos literários, ainda que estejam a abaixo do número de outras capitais menores em população. E isso a faz uma referencia no Nordeste. Concordo. No entanto, não há nenhuma referência ao quadro de eventos e de agitação cultural que vem sendo realizado nos últimos anos no resto do estado, a exemplo da Feira Literária de Boqueirão, Festival Sertanejo de Poesia (Aparecida), Celebrando os Anjos de Augusto (Sapé), Encontro de Literatura Contemporânea (Campina Grande), entre outros pequenos eventos, dentre saraus, palestras e conferências ocorridas nos vários municípios paraibanos. Sem falar ainda nos grupos, revistas e associações literárias criadas recentemente na Paraíba, como a ABES, a Blecaute e o Caixa Baixa.

Ao conhecer o texto de apresentação da antologia fica muito claro a alta medida de desinformação do cenário poético da Paraíba de Amador Ribeiro Neto, algo que choca pelo nível de desconhecimento da realidade literária do estado que ele reside há vários anos, onde atua como professor de literatura. Seu olhar se dá apenas para João Pessoa, unicamente para ela, que tem seus grandes militantes culturais é verdade, como Antonio Mariano, André Ricardo Aguiar, Linaldo Guedes e Lau Siqueira, - poetas atuantes não apenas em relação às publicações, mas também na formulação de políticas públicas e agitações culturais na capital da cidade.

Amador assevera: “Como o leitor verá, a mostra da poesia paraibana contemporânea aqui reunida é um painel de temas e linguagens os mais variados. Há poesia condensada, nominal, parcimoniosa, contida, quase monossilábica. E há a poesia discursiva, derramada, dando asas à oralidade desbragada”. É perceptível realmente este quadro diverso apresentado a partir da leitura dos poemas, no entanto, esse quadro não é apenas uma realidade da capital João Pessoa, mas de muitos poetas de cidades do estado da Paraíba.

Pois bem, não me considero um poeta ainda digno de participar destas antologias, visto que ainda estou no início de um processo de afirmação intelectual e, portanto poético, mas me causou um incomodo muito grande a sensação de desconhecimento de um poeta que considero de uma boa qualidade, professor de teoria do poesia, autor publicado em várias antologias nacionais e algumas internacionais, assumir posições tão restritas como as descritas no prefácio da antologia.

Não discordo de nenhum dos 11 nomes selecionados por Amador na antologia, foram boas escolhas, bons poetas, apesar de me sentir incomodado também com a ausência de nomes como Jomar Morais, José Antonio Assunção, Águia Mendes, Hildberto Barbosa Filho, Astier Basílio, Antonio Moraes de Carvalho e ainda de tantos outros nomes, jovens recém publicados como Jairo César, Joedson Adriano, Thiago Lia Fook, Anna Apolinário, etc. - mas estes, assim como eu, ainda estão na caminhada.

Pois bem, fico por aqui, salientando que continuo vendo Amador como grande intelectual, apesar de seu olhar restrito e cristalizado de poesia, apesar de sua desinformação sobre a produção poética interiorana da Paraíba. De tudo isso, aprendi algumas coisas: não confio em antologias (pelos seus riscos estéticos e morais) e percebo que muitos intelectuais “da capital” não sabem, nem procuraram conhecer a produção cultural do interior, vivem em seus mundinhos fechados, dentro do seu mundo cristalizado, agitados pelos círculos de amizade.

4 comentários:

  1. texto lúcido, focado pragmaticamente no objeto contratado. algo bem típico do bruno, justo e cordial. parabens por suas reflexões.

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  2. Parece que o Prof. Amador, profissional e poeta respeitado, inventou o "amadorismo", nova tendência na organização de antologias. Já o imagino parado no limite ocidental de João Pessoa, segurando uma bússola que aponta para o leste, para o litoral, e dizendo: - Pronto, a poesia que presta na Paraíba é feita daqui pra lá.

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  3. MEU CARO BRUNO,NÃO VOU ME ALONGAR NOS MEUS COMENTÁRIOS,APENAS DIGO Q ASSINO EMBAIXO DE TUAS CRÍTICAS....

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  4. Olha esse texto dadaísta:

    A batalha
    Berr. . .bum, bumbum, bum...
    Ssi. . .bum, papapa bum, bumm
    Zazzau. . Dum, bum, bumbumbum
    Prá, prá, prã... rá, áh-ãh, aa...
    Haho

    E o dileto professor vem falar de poesia anacrônica. Em textos da idade média, escritores já utilizam o espaço no papel para formatar desenhos com palavras. Ora bolas, o que há de novo na poesia concreta!?

    Parabéns pelo texto.

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