As relações entre literatura e experiência urbana tornam-se mais contundentes e radicais na modernidade, a partir da revolução industrial, apresentando-se um conjugado de fenômenos novos que dimensionaram a metrópole, tornando-a um espaço que afetou as relações com o humano. Sob o signo do “progresso” e da “civilização”, alteraram-se não só o perfil e a cartografia do urbano, mas também o conjunto de experiências de seus habitantes.
Essa “cidade da multidão”, dos “ritmos frenéticos”, que tem a rua como traço forte de sua cultura, passa a ser não só um cenário, mas também a grande personagem de muitas narrativas ficcionais, ou presença encorpada em muitos poemas. Assim, é Paris para Victor Hugo, Balzac e Zola; ou Londres para Dickens. No mesmo sentido, pode-se perguntar o que significa Buenos Aires para Borges; ou Lisboa para Eça de Queirós; o Rio de Janeiro para Machado de Assis, Lima Barreto, João do Rio, Rubem Fonseca, e tantos outros ficcionistas contemporâneos.
Todavia, quando chegamos à região Nordeste, a freqüência de ficcionistas que orientam as suas narrativas para o fenômeno urbano diminui consideravelmente. Todos sabem que temos três grandes cidades com milhões de habitantes: Fortaleza, Recife e Salvador, palcos de experiências que podem influenciar as narrativas de nossos ficcionistas. Mais qual seria a motivação principal? Acredito que o discurso “regionalista” que foi predominante e continua a influenciar a mentalidade parte de nossos ficcionistas possa ser considerada a responsável por estas abordagens menos ligadas a urbanidade.
O certo é que a grande maioria das referências à literatura nordestina a coloca ainda atrelada ao movimento regionalista, à tradição rural, e aos seus principais divulgadores (José Américo de Almeida, Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, entre outros), que entre as décadas de 1920 e 1950, demarcaram um território estilístico de difícil superação.
No entanto, nomes na atualidade, como Rinaldo de Fernandes, Antonio Carlos Viana, Pedro Salgueiro, Cristhiano Aguiar, entre outros (uns mais e outros menos), vêm pouco a pouco nesta última década assentando a literatura nordestina dentro do quadro da experiência urbana, em especial com abordagens que privilegiam a violência ou brutalidade no espaço público e urbano e a as relações privadas, na família ou no trabalho, em que aparecem indivíduos com valores degradados, com perversões e não raro em situações também de extrema violência, física ou psicológica.
A ficção nordestina contemporânea, de boa ou péssima qualidade, ainda está bastante focada pelos estereótipos da “ruralidade” e da miséria, certado de imagens ligado ao chamado folclore nordestino. Boa parte destas narrativas traz apenas valores documentais que estão longe de um experimento estético proveitoso. Mas temos exceções é claro, escritores ainda influenciados pelo “regionalismo”, expressam uma veia ficcional própria, rica de imagens e elementos mágicos, num movimento de reconstrução dos meios rurais e/ou meios urbanos, como é o caso de Ariano Suassuna, Raimundo Carrero e Ronaldo Correia de Brito.
Publicado no blog do Caixa Baixa: http://caixabaixa.org/2011/05/03/literatura-nordestina-e-urbanidade/
Nenhum comentário:
Postar um comentário