Tua poesia é
Suja e crua
Não quero ver
Tuas vísceras
Leve tua crueldade
Para outros mares
Teu riso cínico e
Sádico me perturba
E teus olhos
Denunciam a farsa.
Valter di Lascio
No dia 10 de dezembro do ano passado fui a João Pessoa para ser entrevistado pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), onde estava concorrendo a uma vaga no mestrado. Antes de ser entrevistado, sentei calmamente durante cerca de duas horas na famosa Praça da Alegria, ambiente de socialização da universidade onde professores, alunos, funcionários e visitantes se interagem trocando idéias, tomando cafezinhos ou fumando seus fumacentos cigarros. Lá revi velhos amigos e colegas, conheci outras tantas pessoas. Na maioria das vezes historiadores, que já algum tempo não os via. Todavia, entre aqueles que conheci naquele dia um em especial me chamou bastante atenção. Seu nome? Valter di Lascio.
Com um semblante forte, olheiras profundas, barbas salientes, um braço quebrado, o poeta Valter di Lascio logo me mostrou seus livrinhos, realizados de maneira artesanal, produzidos à maneira dos chamados poetas marginais na década de 1970 aqui no Brasil, a exemplo de Nicolas Behr, Ana Cristina César e Chacal, para citarmos apenas alguns nomes. A diferença era o recurso do computador utilizado na digitação. Mas o formato e a maneira eram as mesmas.
Em pouco tempo ele se sentou ao meu lado, começou a me contar a sua incrível história de nômade cultural e rebelde inveterável. Nascido no bairro do Bexiga, na capital paulistana, Valter di Lascio deixou a família há cerca de 25 anos atrás. Veio a se exilar em algumas praias desertas no estado do Ceará. Foi vendedor ambulante, pintor de paredes, cozinheiro, barman, trapezista, entre outras funções. Depois se tornou morador de rua em algumas das principais capitais nordestinas, como Fortaleza, Natal, João Pessoa, Recife e Maceió, vendendo sempre seus livrinhos de poemas, nas praias e universidades, habitando os lugares mais tenebrosos destas cidades, convivendo com estudantes, mas também com bandidos, doentes mentais, viciados em drogas, nas ruas ou em alojamentos públicos bancados pelas prefeituras.
Na ocasião acabei comprando um dos seus livrinhos, intitulado Na Contra OÃM. Com uma lírica simples, e profundamente inspirada em suas experiências cotidianas de poeta marginal, seus poemas trazem a sedução e a angústia daquele que dedica a vida e a morte à poesia. Na contra mão do mundo capitalista, seus versos exploram o retórico do exótico homem das ruas com pendores literários, daquele que se recusa a viver no âmbito familiar, cercado pelo superficialismo. Sua atraente poesia evapora-se na morte e no ato desesperado daquele que respira o ar da mendicância e da miséria, consciente do infinito agonizar da existência medíocre de todos nós. Assim refere-se o poeta: “o poeta se desnuda a cada verso/ o poder se assusta com o desconexo/ a poesia limpa e clara, em mentes pérfidas/causa danos irreversíveis/ a própria existência”.
Valter di Lascio pode ser denominado de muitas maneiras, entre elas as alcunhas de marginal, maldito, andarilho, vagabundo, boêmio, cachaceiro. Mas, acredito que ele deva ser chamado acima de tudo de poeta. Poeta no sentido extremo do termo, daquele que desnuda o mundo através das palavras, dos sons e dos ritmos da vida, ziguezagueando a existência a passos mal colocados no papel e no chão.
Depois de conversarmos por cerca de 40 minutos, ele pegou seu rumo à procura de mais pessoas para vender seus livrinhos. Ainda observei seus passos lentos e malditos por alguns minutos na praça. Guardarei comigo seu pequeno livro como a relíquia que é, esperando um dia, quem sabe, revê-lo. Seja no encontro em uma das praias, num boteco qualquer ou em algum corredor das universidades federais deste nordeste, e escutá-lo dizer assim: “- amigo, por gentileza, eu posso tomar uma dosezinha da sua cachaça?”.
Artigo publicado em 16 de Fevereiro de 2010 na minha coluna "Mundo Literário" no site Rede de Noticias: http://www.rededenoticias.com/geral/colunista-brunogaudencio.shtml
sou um leigo no que diz respeito tanto a poesia quanto a o mundo universitario mais onte 02-07-2012 tambem comprei um livrinho de valter Di lascio e tive a curiosedade de pesquizar sobre ele e fico pensando que traumas este homem pode ter para viver assim. mais uma coisa eu sei Jesus pode nos liberta de todos traumas e nos dar sentido para viver pois ele mesmo disse (Jesus)Eu Sou o Caminho a verdade e a Vida (João 14,6) Ir Fernandes taxista en joão pessoa.
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