segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O FRANCÊS DO CARIRI, O FRANCÊS DE CAMPINA GRANDE


Para Josemir Camilo de Melo e João Hortensio Ribeiro

Em agosto do ano passado eu estava a vagar pelos corredores das velhas estantes enferrujadas da Biblioteca do Centro de Educação da Universidade Estadual da Paraíba, campus I, no qual funcionam atualmente os cursos de História, Geografia e Pedagogia. A finalidade: encontrar livros que contemplassem a temática da história dos Estados Unidos da América, na qual ainda naquela semana realizaria um importante seminário sobre a independência dos “nossos amigos yaques”.

Na época, assim como os dias atuais, os títulos disponíveis no acervo da Biblioteca eram dos mais limitados e antigos possíveis, - velharias produzidas em sua maioria nas longínquas décadas de 1950 e 1960, período da fundação da Universidade. Foi quando um livro dos mais velhos que já vi na vida me chamou bastante atenção. Primeiramente me veio o medo audaz de pegar uma doença, uma alergia qualquer, daquelas crônicas e assustadoras. O livro parecia já há muito tempo carcomido por traças e ácaros diversos. Havia uma camada incólume de teias de aranha na lombada sem título.

Mas o interesse intelectual e a necessidade didática do momento me fizeram ir além das possibilidades de uma “alergia histórica”. Abri o livro. Daí me veio à magnífica surpresa... Encoberta por uma capa sem título estava à denominação: Historie de Washington. Autor: Cornelis de Witt. Data de publicação: 1859. Folhei mais uma vez. Não poderia acreditar. O livro intacto em seu miolo possuía nada mais e nada menos que 150 anos de existência. Uma raridade bibliográfica jogada com os demais livros...

Mas um carimbo bem no centro do título do livro me chamou ainda mais atenção: a obra pertencera ao advogado campinense Hortênsio de Sousa Ribeiro. O susto foi maior. Esqueci na hora do seminário sobre independência dos Estados Unidos, das possíveis doenças alérgicas e coisas parecidas. Fazia alguns meses que procurava por registros deste personagem tão importante para a história da literatura, do jornalismo e da educação em Campina Grande, objetos das minhas últimas pesquisas. E lá estava: o homem era um leitor da língua francesa, mais do que isso, um francofilista nato. Um amante dos escritores, pintores e artistas franceses...

Mas vamos apresentar nosso personagem em questão. Hortênsio de Sousa Ribeiro, chamado por Orris Soares de O Francês do Cariri, devido aos seus hábitos estrangeiros, em especial franceses, foi um advogado, jornalista, cronista e professor campinense. Seguidor das idéias filosóficas de Augusto Comte, seu nome é considerado entre os maiores intelectuais de Campina Grande.  

Nasceu em 31 de janeiro de 1885, falecendo em 16 de agosto de 1961 em Campina Grande, cidade que amou como ninguém. Concluído o curso de preparatórios no antigo Grêmio de Instrução matriculou-se em 1903 na faculdade de Direito do Recife, não chegando a fazer exames no fim do ano por motivo de doença. Voltou à faculdade e tornou a interromper os estudos.

Em 1914 transferiu-se para a Faculdade do Rio de Janeiro, colando grau em 1918. Veio a exercer suas atividades na terra natal. Seu escritório era um dos principais círculos literários da cidade. Lá boêmios, políticos, poetas, jornalistas discutiam entre as décadas de 1930 e 1950 sobre ideologias, livros, músicas, eleições municipais. Foi nesse e noutros ambientes que cultuou os pilares científicos, artísticos e literários da França.

Com sólida base humanística, Hortensio ingressou no magistério e no jornalismo. Fundou em 1923 a “Gazeta do Sertão”, em sua segunda fase. Colaborou durante muito tempo nos jornais da capital. Foi sócio fundador da Academia Paraibana de Letras, juntamente com Coriolano de Medeiros e Matias Freire.

Sua produção literária, na maioria crônicas e pequenos ensaios memoralisticos, eram dispersas nos principais jornais e revistas do estado da Paraíba. Todavia, no ano de 1979 sua esposa, Maria de Lourdes Ribeiro, organizou parte deste material publicando um livro intitulado Vultos e Fatos. Obra que traz principalmente uma coletânea de perfis de alguns dos mais destacados personalidades paraibanas e campinenses. Chamado de “carpideiro intelectual”, devido as suas reminiscências lagrimosas de personagens, Hortensio acompanhou de perto as mudanças e permanências de sua cidade natal, amando-a como poucos.

Depois de encontrar o livro, já esquecido de vez do seminário sobre a independência dos Estados Unidos, procurei naquele mesmo dia alguns indícios, frases grifadas, observações pontuadas, buscando compreender as predileções de Hortensio Ribeiro enquanto leitor. Para isso, pedi a ajuda do meu querido orientador Josemir Camilo de Melo, historiador poliglota. Poucas evidências foram encontradas infelizmente naquele momento por nós, mas outros livros em francês vieram depois, todos encontrados espalhados infelizmente nas principais bibliotecas de outros cursos e departamentos da UEPB.

Mas, além da ausência de cuidado da universidade com raridades bibliográficas desta natureza, outra coisa disso tudo me ficou certa: o apelido que Orris Soares deu a Hortensio, - o Francês do Cariri, tinha algum sentido, apesar do erro de região conferido pelo jornalista, pois caberia bem melhor a Hortensio a alcunha de o Francês de Campina Grande. Um sujeito sofisticado, que lia em francês, escutava música clássica e que hoje repulsa sua memória em livros maltratados em velhas estantes enferrujadas das bibliotecas da UEPB.

Artigo publicado no site Rede de Noticias em 2009, na minha coluna Mundo Literário. Soube que as graças a publicação deste texto, a UEPB recolheu o acervo de Dr. Hortensio Ribeiro, separando dos demais livros.

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